quinta-feira, 6 de maio de 2010

SEM TERRAS E FAVELADOS: DUAS FACES DA MESMA MOEDA

Sandra Feltrin – Advogada e Presidente do PSOL de Santa Maria


A condenação imposta aos sem terras, no meio rural, e aos favelados, no meio urbano, é a face cruel do modo de produção capitalista. Ninguém mora numa área de risco por opção, mas por falta dela, porque as políticas urbanas jamais foram pensadas, de forma planejada, sobre o local adequado para a população trabalhadora morar. De igual forma, ninguém é sem terra por opção e nenhum deles arrisca a sua vida e a de seus filhos em ações como as ocupações de terra para fazer um piquenique.

Os favelados de hoje eram os sem terras de outrora, ludibriados pelo empresariado e governos porque, mesmo sem conhecer as lides da indústria - afinal, eram agricultores - foram compelidos a vir para a cidade, vender sua mão de obra a preço vil e morar em extensas áreas insalubres. O preço pago pela necessidade do crescimento econômico foi a sentença de condenação de milhões de favelados à desorganização, ao bolsa família, ao desemprego e à dor cruel de ver seus filhos vendendo crack e morrendo em tenra idade, muitos adolescentes.

O favelado é um pária; o sem terra também é um pária. Contudo, há uma circunstância que os diferencia e que é motivo de profunda irritação para setores do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos políticos e dos governos: segundo o ex-senador, José Paulo Bisol, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é uma “coletividade de párias, certamente a única organização, a mais consciente em relação à sua identidade e por isso a mais competente”. É uma coletividade de condenados que continua a ocupar latifúndios e empresas multinacionais com a altivez e a dignidade moral de quem sabe que para revogar a condenação que lhes foi imposta restou apenas o ato de cortar cercas e mudas de eucaliptos, que trazem a morte. Em outras palavras: o pária é um natimorto; o favelado e o sem terra também; a diferença é que o sem terra, quando passa a integrar o MST, se torna sujeito da história para revogar sua condenação, pois aprende na ação concreta da luta uma lição que a maioria dos favelados apenas intui: existe uma justiça de classe no Brasil, atenta e prestativa às camadas ricas da população; míope para ver o direito dos pobres e surda para os seus clamores.

Os favelados, condenados à pobreza crônica, sem qualquer esperança de revogação dessa pena, porque desorganizados sob o ponto de vista político, são lembrados nas tragédias, como as que assistimos diariamente na TV, nas campanhas de caridade e nas eleições, quando eles e os políticos tradicionais estabelecem uma relação espúria de débito e crédito. A pergunta incômoda a ser feita é: até quando as políticas sociais do Estado vão dar conta de um número cada vez maior de pessoas que vão se tornando desnecessárias para o sistema de produção capitalista? Não por acaso o filósofo marxista Istvan Mészaros sentencia que, sob a batuta do sistema capitalista, deixaremos para nossos filhos, com muita sorte, apenas a barbárie.


"artigo publicado no jornal A Razão de 05/05/2010".

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