quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sobre os camelôs da Avenida Rio Branco

Publico resposta minha a um email que recebi questionando minha atuação quanto aos camelôs da Avenida Rio Branco, em Santa Maria.




Caro Sandro,


Li com atenção as tuas ponderações e as considero consistentes. Gostaria que considerasse as minhas.


Propus ação judicial em defesa dos trabalhadores informais porque fui procurada por um grupo que se sentia prejudicado pela forma como o processo foi encaminhado. Sou advogada Sandro e nunca deixo de exercer minha profissão, independentemente de agradar ou desagradar este ou aquele e muito menos porque isto pode levar a perda de eleitores, já que sou candidata a dep. estadual.


Nas eleições municipais muitos me aconselhavam a não falar em Reforma Agrária e a não defender as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para não perder votos. Sempre defendi e vou continuar a fazê-lo em relação a todas as ações dos movimentos organizados cujos integrantes sejam trabalhadores em luta por seus direitos. Eu tenho posição e sei de que lado devo estar. As pessoas, como você, podem discordar de minhas convicções, mas nunca me acusar de falsidade ou de agir de forma dúbia para evitar o desagrado dos eleitores, ou de mudar de posição de acordo com as conveniências do poder.


Tenho o maior apreço e admiração por aqueles que a partir do seu esforço pessoal conseguem ter um emprego decente, num quadro de escassez e de grande disputa. Reconheço a valentia dos que conseguem prosperar como micro-empresários, como no seu caso, numa conjuntura onde a fúria da arrecadação dos governos é cada vez maior.


Não pense você que nasci em berço de ouro. Desde cedo, ainda quando estudante do ensino médio fui trabalhar, vendendo anúncios de revista e depois no comércio. Posteriormente fui bancária, professora municipal e particular. Com o dinheiro do meu trabalho, fui pagando o meu curso superior em Estudos Sociais e História, que fiz em faculdade particular. Cursei Direito na UFSM e antes de me formar já trabalhava como estagiária no escritório de advocacia, onde hoje sou sócia. Portanto Sandro, sei o que é ser trabalhadora assalariada e sei também o que é ser dona de seu próprio negócio.


Você pergunta por que os camelôs não querem deixar as ruas e ir para um espaço bem organizado e localizado. Confesso que também me fiz esta pergunta e só consegui entender depois de ouvi-los e conhecê-los melhor. Não tenho dúvida que se mais pessoas se aproximassem deles e ouvissem as suas angustias e aspirações certamente mudariam de opinião. Quando ouço alguém dizer que no camelódromo existem pessoas que fazem contravenções, lembro da resposta dada por uma liderança do MST quando alguém perguntou se era verdade que no acampamento havia bêbados e vagabundos. Ele respondeu que sim.

Que entre eles existia gente boa e gente ruim. Disse ele, “é como num saco de soja na hora da colheita, junto dos grãos tem muita impureza, mas nem por isto o agricultor joga todo o saco fora”.


Estou convencida que se fosse verdadeiro o argumento da Prefeitura de transformar os camelôs em micro-empresários, como seus representantes têm alardeado, tudo deveria ser diferente. Primeiro, porque não se vira micro- empresário de uma hora para outra, como num passe de mágica, e você mesmo deve ser testemunha disso. Segundo, porque todo este processo se deu de forma autoritária por parte da Prefeitura, sem a participação dos principais envolvidos, gerando assim muitas dúvidas e apreensão. Ora Sandro, primeiro, o governo Valdeci comprou o Cine Independência por um milhão e duzentos mil reais para ser o local dos trabalhadores informais da cidade, sem definir regras e as condições para o uso. Agora, o governo Shirmer, com a desculpa do fato consumado, impõe as regras e as condições de uso dos boxes, no mínimo de forma temerária para a sobrevivência dos trabalhadores informais. E terceiro, se as grandes empresas e grandes empresários recebem do município isenções fiscais por 10 anos, que tal a prefeitura dar isenção de 1 ano para os trabalhadores informais terem condições de se fortalecer como micro-empresários?


Sandro, alguém de sã consciência acredita que um camelô não deseja se tornar um micro-empresário e melhorar de vida, ou que eles resistem em ir para o Shopping Independência por mera politicagem?


Por outro lado, concordo que o espaço público deve ser de todos, sendo obrigação do poder público conservá-lo e torná-lo mais agradável e bonito. Contudo, antes de tudo isso, temos que cuidar das pessoas. Assim, para mim, enquanto não formos capazes de construir um sistema de produção e consumo que garanta trabalho para todos e respeite o meio ambiente, prefiro ter as pessoas ocupando de forma disciplinada ruas e praças do que superlotando o sistema prisional, na contravenção ou vivendo da caridade pública ou privada.


Fico profundamente triste ao ver micro-empresários e trabalhadores assalariados manifestarem-se contra a luta dos trabalhadores informais da cidade. Sei que a maioria não o faz por má-fé, mas por uma visão equivocada da realidade. Camelôs, artesãos, ambulantes, desempregados subempregados, empregados mal remunerados, micro-empresários, todos são vítimas do sistema de produção capitalista e nunca inimigos ou adversários. Sem esta compreensão ficamos disputando migalhas e brigando entre nós, enquanto os responsáveis maiores e seus fiéis escudeiros locais ficam pousando de bonzinhos e benfeitores da humanidade.


Duas coisas são fundamentais para entendermos o momento atual. A primeira, no atual estágio de expansão do capitalismo não existe qualquer possibilidade de pleno emprego, porque as novas tecnologias, sempre a serviço do capital, aumentam a produção sem aumentar a demanda por novos trabalhadores, ao contrário, aumentam o número de pessoas desnecessárias ao processo produtivo. Segundo, as empresas, para se tornarem competitivas e sobreviverem, são forçadas a aderir ao processo de fusões entre elas, o que levou, nos últimos 20 anos, à constituição de aproximadamente 500 grandes corporações transnacionais que dominam praticamente todos os setores da atividade econômica no mundo. A crise de 2008 mostrou que as grandes corporações privadas são tão grandes que não podem quebrar, uma vez que o seu fracasso colocaria por terra, inclusive, o próprio sistema capitalista. Então, Sandro, te pergunto: que espaços terão as empresas locais, pequenas e micro empresas neste sistema? Qual o destino dos trabalhadores que vão se tornando desnecessários para o processo produtivo? Até quando o estado terá recursos para as políticas sociais se só tem porta de entrada e não de saída?


Para mim, estas são as reais questões, e o futuro da humanidade depende das respostas que dermos a elas. Por isso, respeito a tua posição, mas reafirmo, sinceramente, a correção do meu procedimento em relação aos trabalhadores informais.


Um abraço.


Sandra Feltrin

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Concordo com o que disseste sobre os trabalhadores informais e sobre o pessoal do MST, e concordo mais ainda com a tua colocação sobre quais são as reais questões a respeito do futuro da humanidade, porém creio que a tua intenção ao publicar este e-mail foi de deixar clara a tua posição a respeito dos assuntos abordados. Seguindo está idéia, peço que publique também as medidas que pretende tomar, como Deputada Estadual, para resolver tais questões. Gostei da idéia de isenção fiscal, que hoje é dada somente para as grandes empresas, mas acredito que isso por si só não resolva. O que mais pretende fazer?

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