CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA CPMI
Aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e ao Poder judiciario
Fevereiro de 2010.
Prezados senhores,
O Parlamento Brasileiro instalou novamente mais uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito - CPMI (com a participação de Deputados e Senadores) para investigar os convênios firmados entre o Governo Federal e entidades e movimentos de trabalhadores rurais.
Apesar da Bancada Ruralista e da grande imprensa insistir que é uma “CPMI do MST”, o requerimento que criou a Comissão estabelece objetivos mais amplos, como explicitados na ementa: “apurar as causas, condições e responsabilidades relacionadas a desvios e irregularidades verificados em convênios e contratos firmados entre a União e organizações ou entidades de reforma e desenvolvimento agrários, investigar o financiamento clandestino, evasão de recursos para invasão de terras, analisar e diagnosticar a estrutura fundiária agrária brasileira e, em especial, a promoção e execução da reforma agrária”.
Diferente do divulgado pela grande imprensa, os reais objetivos dos autores do requerimento - Bancada Ruralista no Congresso - ao centrar as investigações apenas em convênios assinados entre o Poder Executivo e entidades populares, é criminalizar os movimentos sociais, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Esta é a terceira Comissão Parlamentar de Inquérito com o mesmo objetivo nos últimos sete anos. Em 2003, foi criada a “CPMI da Terra”, que funcionou até novembro de 2005, e nada provou contra o MST ou qualquer outra entidade agrária. Naquela CPMI, a Bancada Ruralista conseguiu rejeitar o relatório apresentado pelo Dep. João Alfredo (PSOL/CE), então relator da CPMI, e aprovou o relatório do Dep. Lupion (DEM/PR), que propôs classificar as ocupações de terra como crime hediondo.
Em junho de 2007, o Senado aprovou a criação da CPI das ONGs, destinada a investigar a utilização de recursos públicos por entidades da sociedade civil organizada. Novamente, valendo-se de tese semelhante - ou seja, que as entidades populares e movimentos sociais desviam recursos públicos -, os inimigos da reforma agrária voltaram a atacar, pedindo a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico de entidades parceiras do MST. A CPI ainda está funcionando, e o seu encerramento está previsto para fevereiro de 2010. Além de analisar a aplicação legal dos recursos, seria importante analisar os resultados dos convênios, e se os objetivos propostos foram realizados.
Agora, a Bancada Ruralista voltou a atacar os movimentos sociais rurais, especialmente o MST, com a criação de mais uma CPMI, buscando dar resposta às pressões de sua base social, e utilizando-a como um meio de barrar a atualização dos índices de produtividade. Os argumentos e a tese são sempre os mesmos: movimentos sociais e entidades populares não têm direito a acessar recursos públicos.
Por outro lado, a instalação desta CMPI, tendo como objeto de investigação a atuação de entidades no meio rural, é uma excelente oportunidade para investigar, por exemplo, a destinação dos recursos recebidos pelo Sistema S. Essa investigação é oportuna, não só pela quantidade de recursos públicos envolvidos (entre 2000 e 2009, o SENAR e o SESCOOP, entidades dominadas pelas entidades dos fazendeiros, receberam, só em recursos da contribuição obrigatória, mais de R$ 2 bilhões), mas também por fartas evidências de má versação dos mesmos. Em reiteradas decisões do Tribunal de Contas da União, por exemplo, estes recursos estariam sendo utilizados não para educar e treinar o povo do campo, mas para manter, de forma irregular, as estruturas administrativas e mordomias das Federações patronais.
Além disso, seguindo o que está proposto na ementa do requerimento aprovado, é uma excelente oportunidade para investigar a grilagem de terras publicas nos mais diversos Estados da Federação, que a imprensa denunciou e que envolve inclusive parlamentares como a senadora Katia Abreu, no estado de Tocantins, ou banqueiros sob suspeita, como é o caso da compra de 36 fazendas em apenas tres anos no sul do Pará pelo Banco Oportunity, o que foi denunciado em inquerito da Policia federal.
Ou ainda, como a compra de terras por empresas estrangeiras em faixa de fronteira. Como acontece com a empresa Stora Enso, no RS, e a seita Monn, no MS. Além da notória desnacionalização dos recursos naturais e da agricultura brasileira, que passa a ser controlada cada vez mais por empresas transnnacionais, que impõem sua lógica de lucro e afeta a soberania alimentar de nosso país.
A violência no campo (e suas causas) é outra realidade a ser investigada. Nos últimos anos, foram mortos diversas lideranças do MST e de outros movimentos agrários. Desde a redemocratizaçao, em 1985, até os dias atuais, foram assassinados mais de 1.600 lideranças de trabalhadores rurais, incluindo agentes de pastoral, advogados etc. Destes apenas 80 chegaram aos tribunais e menos de 20 foram julgados. A CPMI precisa investigar os seus responsaveis e por que o poder judiciário é tao conivente com os latifundiarios mandantes desses crimes.
Recomendamos que o parlamento brasileiro investigue porque um verdadeiro oligopolio de empresas estrangerias domina a produçao de agrotóxicos, e transformou o Brasil no maior consumidor mundial de venenos agricolas, afetando a qualidade dos alimentos e a saúde da população, sem nenhuma responsabilidade.
Entendemos que estes seriam alguns temas que esta CMPI deveria investigar, contribuindo para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, apoiando as iniciativas populares, inclusive das organizações e movimentos que, na conquista de um pedaço de chão, produzem alimentos para a população brasileira. A restrição dos trabalhos dessa CMPI à investigação apenas de convênios de entidades parceiras do MST representará, unicamente, mais uma iniciativa parlamentar de criminalização dos movimentos sociais e não uma contribuição ao desenvolvimento e democratização do campo brasileiro.
Queremos manifestar aos senhores nossa total solidariedade ao MST e a todos os movimetnos sociais e entidades que colocam seus esforços na luta por uma reforma agraria justa e necessária. O Brasil nunca será uma sociedade democratica, nem justa, se não resolver essa vergonhosa concentração da propriedade da terra, em que apenas 15 mil fazendeiros sao donos de 98 milhões de hectares, como denunicou o ultimo censo, e que menos de 2% do total dos estabelecimetnso controlam mais de 45% de todas as terras. E quem luta pela democratização da propriedade, nao poder ser criminalizado justamente por aqueles que querem manter o monopolio da propriedade da terra.
Atenciosamente,
(A carta assinada pode ser enviada por correio eletrônico para:Deputado Jilmar Tatto relator - dep.jilmartatto@camara.gov.br E Senador Almeida Lima presidente da cpmi - almeida.lima@senador.gov.br
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