
O grito de guerra de Sepé Tiaraju e dos 1.500 guerreiros Guaranis que resistiram em suas Missões contra os exércitos de Espanha e de Portugal encontra eco nas mulheres da Via Campesina.
No século XVIII, o Tratado de Madri condenou trinta mil índios Guaranis a abandonar suas casas, suas terras e suas vidas em face do pacto assinado entre as duas grandes potências mundiais da época: a Espanha trocaria com Portugal sua possessão conhecida por Sete Povos das Missões, possuidora do maior rebanho de gado das Américas, pela Colônia de Sacramento.
No século XXI, o ato das 900 mulheres da Via Campesina, ao ocuparem a fazenda Tarumã, de 2.100 hectares, pertencente à empresa sueco finlandesa Stora Enso, no município de Rosário do Sul, procedendo o corte de eucaliptos e o plantio de árvores nativas na área, chama a atenção de que a estratégia não se restringe mais a ocupações de latifúndios improdutivos, mas ao alcance de um novo patamar de consciência no que se refere ao modelo agrícola atual. Centrado no agronegócio, reforçado agora pelos biocombustíveis, esse modelo tende a destronar de vez a agricultura familiar e tornar remotas as chances de realização da reforma agrária no Brasil.
No passado, a luta de Sepé Tiaraju era contra os impérios de Portugal e Espanha, que traziam a morte para os povos da América; hoje, a luta dá-se contra o crescente domínio das empresas
multinacionais do agronegócio, simbolicamente herdeiras dos senhores de engenho coloniais, concentradoras das terras e da oferta de empregos.
Não por acaso o alerta do presidente do INCRA, Rolf Hackbart, de que a procura de terras brasileiras por estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas, está crescendo sem nenhum controle, de modo que “não sabemos quanto de nossas terras estão em mãos de estrangeiros”. E continua,
“não se trata de xenofobia. O ponto central é a proteção da soberania nacional.” (Jornal Folha de São Paulo, 06/03/2008).
Tal como o povo Guarani de Sepé Tiaraju, que lutou até a morte para não ser expulso de suas terras pelas potências imperialistas, as mulheres da Via Campesina estão lutando para não serem expulsas das atividades agrícolas nas áreas onde avançam as multinacionais do agronegócio. Com a mesma altivez dos lutadores do passado, afirmam que o seu trabalho, na agricultura camponesa, é importante para a produção de alimentos e que “as empresas do agronegócio não estão preocupadas em produzir comida, só em produzir lucro transformando o campo em desertos verdes (de eucalipto, de soja, de cana)”. (Manifesto das mulheres da Via Camponesa).
Como as terras estão sendo compradas para a monocultura do eucalipto, está em jogo a soberania alimentar do País, que é o direito dos povos de produzir seus alimentos respeitando a biodiversidade e os hábitos culturais de cada região. E mais: as mulheres da Via Campesina alertam para a necessidade da preservação do Bioma Pampa, que se estende por parte do Rio Grande do Sul, seguindo pela Argentina e pelo Uruguai. Se nada for feito, em pouco tempo, a monocultura do eucalipto para celulose transformará o pampa gaúcho num deserto verde, pois aqui essas empresas encontram muita terra, água, clima favorável e governos federal e estadual dispostos a atender seus interesses. Haverá a redução da produção de alimentos, destruição da biodiversidade, aumento da pobreza e da desigualdade para atender a demanda de lucro das empresas multinacionais e o estilo de vida consumista dos países ricos.
No dizer das lutadoras gaúchas da Via Campesina, o ato de entrar na fazenda de uma multinacional, destruir as mudas de eucaliptos e plantar árvores nativas traz o significado de arrancar “o que é ruim” e plantar “o que é bom para o meio ambiente e para o povo gaúcho.” (Manifesto das mulheres da Via Campesina). O nosso corpo foi feito para amar, gerar, dar à luz, nutrir, alimentar e cuidar da vida, enfim, nosso corpo é hospedeiro do amor e da vida, que está ameaçada pelos interesses econômicos das multinacionais do agronegócio. Nosso corpo garante a continuidade da espécie humana. Se não dermos mais poder de decisão às mulheres, dificilmente salvaremos nosso Planeta.
A afirmação de Sepé Tiaraju e do povo Guarani, "esta terra tem dono" foi o primeiro grito de amor à terra do Rio Grande do Sul, sinalizando para os impérios português e espanhol que iriam defender com ardor aquelas terras, que não iriam entregar seu torrão sem luta; por sua vez, a luta das mulheres da Via Campesina contra o império econômico, cultural e político representado pelo agronegócio exclusivista e predador sinaliza que a terra é do povo gaúcho e de que não irão aceitar que o seu torrão seja entregue para as multinacionais sem luta. A bandeira do Rio Grande do Sul continuará fincada no pampa gaúcho, altiva como é o seu povo; não a trocaremos pela bandeira do lucro e da destruição de nossa terra.
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